Considerações sobre o bem-estar e o trabalho remoto (parte II)
“Quando eu tiver tempo vou fazer um curso de gestão do tempo”.
Adoro essa frase, dita em muitos inícios de sessão de coaching executivo de um cliente. Com uma dose de bom humor, ele revela um sentimento coletivo que tem se percebido em diferentes organizações: estamos todos atolados em pequenas tarefas. Distraídos, confusos, frustrados com o pouco avanço em relação ao que nos propomos fazer. E a tecnologia (ou mau uso dela) pode ter algo a ver com isso.
De forma análoga um gestor iniciou um treinamento de inteligência emocional pedindo desculpas por não conseguir se apartar do celular. “Estamos atolados: as mensagens chegam por todo lugar”, no que ganhou atenção e apoio de toda turma. E continuou: “me ajudem a contar: WhatsApp, Teams, e-mail, celular, me sinto uma central de atendimento…”. Alguém lembrou: “tem também o chat do Teams”. E outro complementou: “isso quando não ligam para teu celular pessoal”.
Há alguns anos tínhamos uma certa tríade a respeitar, no que confere ao trabalho executivo. Um terço do tempo estávamos respondendo e-mails e solicitações, outro terço estávamos produzindo relatórios ou criando formas de expressar a gestão e um terço dedicávamos à agenda de reuniões. Embarcamos na onda digital de bom grado, pois como alguns ainda podem se lembrar, o e-mail era melhor que um telefonema com a linha ocupada ou não atendido e os encontros à distância poupavam o tempo de deslocamento. Mas para onde essa onda nos levou até o momento? Nas reuniões de trabalho que tenho participado, a maioria online, é comum as pessoas dizerem que acabaram de sair de uma reunião ou que já estão de saída para outra. Onde está o tempo para produzir o que combinamos em nosso último encontro? Ou o tempo para pensar as melhorias da gestão (nível tático!)?
Por mais que a sensação de podemos acessar uma pessoa a qualquer momento possa ser alentadora – afinal agora é tão fácil enviar um whats de nossa mesa de trabalho – isso acaba por drenar o tempo (e a energia) de todos. Muitos de nós já perdemos os limites da fronteira entre horas de trabalho e de descanso. Então, para fazer frente a tantas demandas, vindas de todo lugar, e dar velocidade às nossas entregas, o que fazemos? Acrescentamos pequenas reuniões de ajuste de rota no dia, a qualquer momento, e estamos mesmo chegando a fazer pequenas meetings de 15, 20 min. As vezes por vídeo do whats. Ou quem sabe alguém envia um link Zoom. Tudo assim, às pressas. Os dias vão passando. E vamos enlouquecendo e nos confundindo cada vez mais.
Não é de estranhar que está circulando por aí um conjunto de novas expressões para explicar o mundo do trabalho. No início do ano foi o great quit, quando milhares de pessoas desistiram de voltar ao trabalho e permaneceram em trabalhos de home office ou simplesmente fora da vida corporativa, o que já mereceu artigo de nosso newsletter. Há poucas semanas começaram a falar no quiet quitting, que seria esse jeito de trabalhar meio chutando lata (expressão mais nossa do Brasil), em que a gente leva as coisas adiante, mas sem engajamento, sem energia. Afinal, a empresa não paga a conta do ansiolítico ou do relaxante muscular.
Também tem se ouvido falar, é bom lembrar, o great regreat, que é o arrependimento por simplesmente desistir. O que de alguma forma também vem para nos assombrar, uma vez que pagar as contas e conseguir uma vida equilibrada que inclua a dose certa de home office e convivência com os colegas é algo bem desafiador de se conquistar. E a última onda é falar sobre o silent firing, ou seja, empresas que propositadamente não zelam pelo clima organizacional para forçar pedidos de demissão.
Pois bem, então aqui chegamos no ponto em que a inteligência emocional nos convida a acolher e compreender esses sentimentos silenciosos (quiets), de forma a entender o que de fato estão nos dizendo e que direção precisamos tomar para encontrar equilíbrio no trabalho. Resumo aqui algumas tendências que podem dar o tom do que precisamos fazer para voltar a gostar do que fazemos e aproveitar o melhor que a tecnologia tem a nos dar.
- Gerenciar a energia – Mais importante do que alimentar listas de tarefas, precisamos nos dar conta de nosso nível de motivação para o que vai ser realizado. Pequenas pausas entre reuniões tornam-se mandatórias. Beber água, permitir-se levantar e caminhar um pouco, em intervalos de 20 ou 30 minutos pelo menos uma vez de manhã e outra de tarde, sem contar o recesso de almoço. Ainda, programe tempos fora do teclado ou do celular ao longo de sua jornada diária, de preferência perto de uma área verde. Esses intervalos são um tempo necessário para nosso conforto físico e, por consequência, nossa disposição psicológica às interações presenciais ou digitais.
- Tempo de resposta – A velocidade das trocas digitais deixa em todos um “senso de urgência” que acaba por criar uma competição entre as tarefas e pessoas envolvidas. O tempo de resposta precisa ser acordado: uma hora, três horas, um dia? Quanto tempo é perfeitamente normal se levar para entregar ou receber o retorno de um colega? E não caia na armadilha de oferecer prazos excessivamente curtos como prova de dedicação ou comprometimento: não coloque a corda no próprio pescoço.
- Acordar canais de acesso – Uma regra básica da comunicação em grupos de trabalho é se acordar um canal de acesso único. Se for o e-mail, que se respeite esse canal (e se envie demandas por ele). O que é considerado urgente poderá ter um segundo canal, desde que o urgente não se torne a única definição de troca possível – sob pena de nada mais ser importante.
- Reuniões com propósito claro – É necessário que as pessoas agendem reuniões convidando quem realmente tem interesse no que é dito ou algo a dizer em relação ao que for acordado. Menos reuniões sinalizam equipes com maior autonomia e confiança no trabalho dos colegas. Em tempos de tanta reconfiguração do trabalho, menos reuniões simbolizam também mais produtividade e bem-estar.
- Integrar é preciso – Dispensam-se as reuniões com pauta difusa. No entanto, procure incluir algumas reuniões, nem que se sejam quinzenais, para se compartilhar feitos, com olhar positivo, em que todos os integrantes de um time possam falar um pouco, de forma descontraída. Esse tipo de encontro permite um senso compartilhado de realização, no qual se percebe que os dias avançam e que “conseguimos”, sim, entregar e criar continuamente.
Resumindo? Seu tempo é seu maior ativo. Use-o bem, de forma balanceada. O tempo de descanso aumenta sua produtividade e foco durante as atividades do dia. Uma boa alimentação ajuda na produção de sinapses neurais e facilita seu raciocínio. Exercícios físicos melhoram sua postura e reduzem os efeitos do sedentarismo. Tempo de qualidade com a família e amigos acumulam emoções positivas, que ajudam na produção de sentido e resiliência frente aos desafios. Pare de se culpar e de encarar o tempo para si como não produtivo: ele é o melhor investimento que você pode fazer!