Liderança

O risco de não fazer nada

“Assim como sei que qualquer coisa pode acontecer, também sei que nada é certo. Por isso, espero o melhor, mas estou preparado para o contrário.” – Sêneca

Outro dia, em uma conversa com um cliente durante a finalização de um projeto, surgiu uma pergunta direta: “Será que não vale a pena deixar a continuidade do desenvolvimento do time pra depois? Ano que vem a gente retoma?

É uma pergunta legítima. Em tempos de orçamento enxuto, urgências acumuladas e tanta incerteza, adiar parece prudente, certo? Pode ser que sim, se tudo estiver realmente bem. Por outro lado, se as dificuldades e tensões ainda estiverem à flor da pele, interromper um processo de conscientização coletiva pode ter um efeito bem ruim. O que parece “economia de energia” no curto prazo pode se tornar uma perda silenciosa – e cara – no médio e longo prazo. Afinal, “fazer nada” é também uma escolha. E toda escolha tem consequência.

Que tipo de risco se corre ao interromper um trabalho de desenvolvimento socioemocional? Quando um time em construção é deixado no “modo pausa”, o que se perde não é apenas ritmo. Perde-se o engajamento recém-conquistado, a confiança em formação, os espaços seguros de troca que começavam a surgir. O que era um organismo vivo e em movimento volta a se fragmentar. Núcleos de afinidade se isolam novamente, fortalecendo subculturas disfuncionais e silos de interesse. A comunicação entre áreas enfraquece. O gestor, que começava a respirar fora da sobrecarga, se vê sozinho, tentando segurar tudo no braço. E as dores que deram início ao processo reaparecem com mais força, agora acompanhadas de resistência a novas tentativas. Ainda pior quando diferentes intervenções se sucedem sem coordenação, criando confusão e descrença. É quando ouvimos frases como: “já tentamos isso uma vez e não deu certo”, seguidas por boicotes e desistências antes mesmo de se abrir o espaço real de enfrentamento dos problemas.

Essa conversa me fez lembrar de uma analogia poderosa trazida por Karl Weick, em Managing the Unexpected. Ele descreve o cotidiano de um porta-aviões, uma das organizações mais complexas e arriscadas que existem, como exemplo de sistema que não pode se dar ao luxo de interromper seu desenvolvimento. A bordo, qualquer falha mínima pode ser catastrófica. Aviões decolam e pousam em espaços reduzidos, há combustível, armamentos, e centenas de pessoas operando em sincronia. O segredo da confiabilidade, ali, não está em eliminar o risco, mas em cultivar atenção ao detalhe, consciência coletiva das operações e uma cultura que aprende constantemente com os “quase-erros”.

Mesmo em tempos de calmaria, o porta-aviões está em prontidão. Porque sabe que a qualquer momento pode ser colocado à prova. A liderança de uma estrutura tão complexa entende que corrigir um desvio coletivo custa caro: em tempo, energia, confiança e, muitas vezes, em impacto humano. E aí está o ponto: se estruturas organizadas já exigem disciplina constante, o que dizer de estruturas complexas, em tempos caóticos como os que vivemos?

A tempestade perfeita

O que temos agora é o equivalente corporativo à tempestade perfeita. Transformações tecnológicas aceleradas, especialmente com os avanços da IA, geram ansiedade e reconfiguram processos. As relações de trabalho se tensionam entre o remoto, o presencial e o híbrido. Crises geopolíticas e sociais se somam à instabilidade. Distanciamentos geracionais desafiam os códigos tradicionais de liderança. O brilhante artigo de Marcelo do Carmo Rodrigues, MSc e MA sobre os rinocerontes alerta com precisão: o que antes era exceção virou rotina. O que antes bastava, hoje já não dá conta.

Leia aqui:

https://www.linkedin.com/pulse/sobre-rinocerontes-e-o-futuro-da-sua-empresa-marcelo-vcnjf: O risco de não fazer nada

E em meio a tantas frentes simultâneas, o que sustenta uma organização é o alinhamento entre as pessoas. E esse alinhamento depende diretamente de competências emocionais: autoconsciência, autorregulação, empatia e gestão de relacionamentos. Não são acessórios, são condição de sustentabilidade.

Nesse contexto, não fazer nada é como ficar parado na estrada esperando o rinoceronte passar. E fazer qualquer coisa, sem direção, é correr em círculo no meio da poeira. A pergunta não é mais “será que precisamos investir em desenvolvimento agora?” A pergunta real é: “Estamos preparados para atravessar essa tempestade juntos, com consciência e estrutura?”

A resposta exige maturidade. Porque, assim como não existe manual infalível para tempos incertos, também não existe atalho mágico para formar líderes que saibam navegar por eles.

O mito do grande evento mágico

Quando se está há muitos anos atuando no campo do desenvolvimento humano, começa-se a perceber megatendências à medida que se formam. Hoje, noto dois movimentos distintos dentro das áreas de gestão de pessoas. Um segue em direção à profundidade: investe em programas robustos, com métricas claras, facilitadores experientes e jornadas alinhadas à estratégia de negócio. O outro aposta em soluções rápidas e vistosas: experiências catárticas, aventuras corporativas, palestras com celebridades distantes da realidade organizacional.

A Korn Ferry, consultoria global com quem temos o privilégio de atuar no Brasil, é clara: desenvolvimento de liderança não é, e nunca foi, um evento isolado. Não se constrói um time resiliente e colaborativo com um evento único, por mais empolgante que ele seja. Essas ações podem servir como ponto de partida, quebrar o gelo, aliviar tensões. Mas isoladas, não sustentam. E muitas vezes geram efeito rebote: depois da diversão, o caos retorna com força total, já na segunda-feira seguinte.

Desenvolver líderes é cultivar uma jornada contínua. Isso pode não soar “empolgante”, mas é real.

Uma jornada sustentável e eficaz começa com um bom diagnóstico, por meio de assessments 360° (multiavaliação entre líderes, pares, subordinados e outras categorias que fizerem sentido), 180° (avaliação entre pares e líderes) ou 90° (entre líderes e liderados) ou até autoavaliações de peso, desde que com ferramentas de base científica (sólida psicometria de análise), e segue com experiências alinhadas ao contexto do time. Uma jornada que respeita a diversidade de formas de aprender, que combina vivência com reflexão, escuta com provocação, prática com elaboração crítica.

E, principalmente, que se recusa a maquiar sintomas com soluções genéricas. Porque há risco, e não é pequeno, em fazer qualquer coisa só para “mostrar movimento”. Risco de reforçar a superficialidade, alimentar o ceticismo e desgastar ainda mais a confiança.

Nesse ponto, vale perguntar: o que de fato sustenta um processo de desenvolvimento em meio ao caos? Onde estão os caminhos que criam continuidade, conexão e consistência?

Aqui está uma direção prática, construída com base no que temos aprendido:

  1. Comece com um diagnóstico claro: identifique desafios, comportamentos-limite e objetivos coletivos.
  2. Escolha facilitadores experientes e métodos que revelem o campo relacional: não basta desenvolver indivíduos, é preciso entender as interações.
  3. Estruture uma lógica de continuidade: seja em workshops, laboratórios ou ciclos, o que importa é manter o processo vivo.
  4. Envolva a gestão e o RH: o líder do time e o RH precisam estar presentes em cada etapa, sustentando o processo com intenção.

Na Conexão IE, fazemos isso com o LAB IE, um laboratório vivo que parte da compreensão profunda dos campos relacionais do time. Durante as interações, a colaboração é testada, os conflitos são mapeados, resistências são suavizadas. A premissa que vale para o desenvolvimento da inteligência emocional individual também vale para os times: reconhecer dificuldades, emoções e padrões de comportamento é o primeiro passo para transformá-los.

Liderança conectada não se improvisa e tampouco se delega ao acaso. Cuidar das pessoas e buscar alto desempenho não são opostos, são complementares. E só se constroem com presença, intenção e ação contínua.