Os dilemas da aceleração feminina

Nos últimos anos, ouvi muito sobre “aceleração de carreira”. Mas ultimamente ando pensando: será que estamos acelerando demais ou errando o caminho?
Sim, precisamos acelerar oportunidades de desenvolvimento para mulheres, mas não a qualquer custo e muito menos para qualquer lugar. Estamos todos, homens e mulheres, já bastante “acelerados”: pelas notificações no celular, pela lista de tarefas que nunca termina, por notícias de incertezas econômicas e crises políticas que se renovam em ritmo frenético, por vidas editadas nas redes sociais. A aceleração tornou-se norma, não só na carreira, mas em todas as áreas da vida. Será que não precisamos também falar sobre desacelerar um pouco, ou ao menos acelerar com mais consciência e conexão com nossa realidade?
Quem realmente inspira você?
Recentemente fui convidada pela FIERGS para participar do painel “Mulheres que Inspiram“, onde eu e outras profissionais e executivas gaúchas refletimos sobre o futuro da liderança feminina. Isso me fez pensar em quais mulheres realmente têm me inspirado ultimamente. E confesso: a primeira imagem que me veio à cabeça não foi uma CEO famosa ou uma influenciadora digital. Foi Iolanda (vamos chamá-la assim para preservar sua privacidade), minha colega de turma na hidroginástica. Dona Iolanda tem mais de 80 anos e decidiu recentemente que quer aprender a nadar, não quer mais se sentir insegura “no rasinho” da aula de hidro. Está em sua segunda semana de aula, aprendendo a respirar e boiar. Nossa, isso é inspiração pura: coragem de começar algo novo, independentemente da idade ou circunstância. A potência de dona Iolanda, com seu 1,50m de altura e pouco mais de 45 quilos, tem me inspirado muito ultimamente!
Até que, pensando em retrospectiva, percebo que evoluí bastante em minhas aspirações sobre o que é uma mulher que “inspira”. Aos 25 anos, o ideal da carreira para mim era a executiva da revista Cláudia: uma jovem posando em frente à mesa de trabalho, num escritório com vista para arranha-céus, corpo de modelo, foto dos dois filhos na mesa mais um Golden Retriever. Se atualizássemos esse sonho (delírio?) para 2025, provavelmente essa mulher faria lives todos os dias, seu rosto seria cheio de procedimentos, talvez tivesse um clube próprio para pertencer e uma agenda lotada de eventos para fotografar e comentar. Continuo delirando, eu sei. Mas será que essa nova versão turbinada da moça da Cláudia não é exatamente a mulher que “inspira” tantas executivas hoje em dia? Não admira estarmos tão cansadas.
Por outro lado, existe a visão oposta: daquela pessoa que deseja simplesmente uma boa noite de sono, contas pagas, um companheiro para falar sobre a vida no final do dia, filhos saudáveis e talvez 30 dias de férias. Quem pode dizer que simplesmente continuar, apesar do caos do mundo, já não é profundamente inspirador?
Por isso outra fonte constante de inspiração são as histórias e contextos das mulheres que convivo diariamente em minhas mentorias femininas. Elas lidam com jornadas múltiplas, formações que duram décadas, dificuldades familiares altamente desgastantes. Mulheres que trabalham, estudam, cuidam da família, enfrentam dúvidas (e dívidas!), medos e ainda assim buscam realização pessoal e profissional, encontrando tempo para alongar os cílios e fazer academia. São elas que me inspiram a estudar carreira e inteligência emocional. Elas e dona Iolanda. Porque não correm atrás de ilusões e buscam realizar o que lhes traz felicidade.
O desafio das mulheres na liderança: quebrando estereótipos
Enquanto refletia sobre essas mulheres reais, voltei minha atenção para os números. Segundo dados do IBGE, apesar de mulheres serem maioria entre os graduados no ensino superior no Brasil (cerca de 60%), elas ocupam apenas 37% dos cargos gerenciais e menos de 15% dos cargos executivos. Mulheres já são maioria há alguns anos em diversos cursos, indicando que também serão maioria na concorrência por cargos mais qualificados. Ou seja, embora haja progresso nos números, ainda há muito o que avançar em sentido. Para isso, vamos precisar revisar o que entendemos como competências de liderança.
Me incomodam particularmente estudos apontando que mulheres são mais empáticas e cuidadoras que homens—cito aqui o artigo de Audrey Halpern para a Women Leadership Today. Não contesto os métodos das pesquisas, mas sim os contextos culturais e os vieses sobre o que pertence a homens e mulheres. Se assumirmos que empatia é característica “feminina”, acabaremos concluindo que assertividade é “masculina”. E assim teremos homens agindo como máquinas compressoras e mulheres sendo adoráveis ouvintes, porém inseguras em seus posicionamentos. Não precisamos perpetuar esses estereótipos!
Precisamos falar de competências de liderança que, quer para homens ou mulheres, pressupõem equilíbrio entre empatia e assertividade. Ou seja, comunicação que considere a perspectiva das pessoas (empatia), complementada pela habilidade em apontar soluções, corrigir distorções, direcionar esforços e gerenciar equipes de alta performance.
Este também é um tema abordado no livro “Conectados – Competências socioemocionais para a era do caos”, escrito com meu sócio e parceiro de vida, Marcelo do Carmo Rodrigues, MSc.
Reflexões finais
Enquanto me preparo para os eventos deste mês, entrego a você as mesmas reflexões que fiz a mim mesma:
- Você está acelerando em direção ao que realmente deseja ou apenas sendo levada pelo ritmo frenético imposto pela sociedade?
- Quem são as mulheres que te inspiram no cotidiano e na vida?
- Como você pode equilibrar empatia e assertividade em sua comunicação com pares, líderes e colegas?
Porque liderar, assim como acelerar, não é apenas correr mais rápido, mas principalmente saber exatamente para onde queremos ir.