“Dizer não é dizer sim, saber que é bom para mim” – Kid Abelha
Já aconteceu com todo mundo. Aquela noite que você quer encontrar um filme para ver e não encontra nenhum título atraente. Lê as sinopses, assiste alguns trechos, chega a acessar a opção “surpreenda-me” do canal de streaming. Nada adianta. Tudo parece já visto, nada parece merecer duas horas de envolvimento. Algum tempo depois, sem nada ter visto até o fim, finalmente você desliga a TV ou dorme sob a luz da tela, por simples exaustão.
Estamos vivendo uma época de ofertas demais, imagens em profusão, filmes que saltam de algum grupo de WhatsApp. É irônico pensar que havendo tantas opções de entretenimento estejamos justamente incapazes de nos entreter. Usando essa analogia do zapear de opções na Netflix sem que nada pudesse ser interessante, ficou famoso o discurso de formatura em Harvard do orador Pete Davis, quando já em 2018 ele sofria da dificuldade de se comprometer com uma ideia, um tema, um assunto, apenas um, por algum tempo. Entendia que sua geração era aquela que pedia: “mantenha minhas opções em aberto, por favor”.
De fato, temos toda uma nova geração de pessoas acostumadas a se desacostumar e mesmo nós, de gerações tão antigas quanto as videolocadoras de esquina, sabemos que algo está diferente. Estamos mais ansiosos, confusos, difusos, exatamente por não termos mais tantos lastros assim. Sem querer ser nostálgica, já sendo um pouco, mas sou fruto de uma infância regada a quatro canais em TV aberta, um deles sempre com interferência de sinal (e haja um corajoso para subir no telhado e arrumar a antena!). A programação da noite era sabida: janta, jornal, pedir para ver um pouco de novela – meus pais nunca deixavam, já era tarde – se preparar para dormir. Dormir. Era uma rotina simples. E talvez exatamente por isso: geralmente dava certo.
Adiciono a essa reflexão outro ponto, que extraio da própria palavra entretenimento: estar “entre teres”. Entre um afazer e outro, costumávamos dar um tempo, esfriar a cabeça, esticar as pernas, repor as energias com um lanchinho ou café. Mas logo voltávamos ao que nos ocupava, nossa tarefa, que costumava preencher muito mais que nosso tempo: nos produzia sentido, alimentava a alma. Hoje, talvez um fenômeno decorrente da perda do sentido de nossos “teres” profissionais ou familiares é a busca de uma compensação em lugares que não podem preencher esse vazio e a busca costuma não levar a lugar algum.
Chama a atenção, desde lá e ainda mais hoje, que nossa tomada de decisão sobre o que produz sentido para nós tende a ser dificultada justamente pelo excesso de opções. É muito mais fácil encontrar o que não nos agrada do que o que queremos para nós. É mais fácil achar defeitos, perder o gosto, vaguear. Perder o interesse, aliás, é o que faz termos tanta dificuldade. De ficar, de continuar, permanecer até, quem sabe, começar a gostar. De dizer não para muitas coisas para se vincular a apenas uma.
Muitos estão vivendo a dificuldade de permanecer também em seus programas de estudo, que representavam a porta de acesso para ocupações ou “teres” de maior valor percebido. Formações tão longas como cursos de graduação estão sendo cada vez mais dolorosas de se manter, tanto pelo longo comprometimento quanto pelo alto investimento de tempo e dinheiro. Para qualquer aprendizado, no entanto, é preciso comprometimento. É preciso também paciência, para passar por trechos não tão interessantes, não tão envolventes, mas que em algum momento podem produzir aquele efeito “a-há”, tão importante para significar nossa vida.
Pensando no curto prazo, esse é o momento que muitos de nós estão pensando em algum curso novo para fazer, alguma nova atividade, novas opções de carreira e assim por diante. Havendo deixado as listas de resoluções para 2022 em alguma gaveta, a consciência pede por avanço nas promessas feitas. É hora de escolher algum tema para se aprofundar, algo que possa alavancar a carreira, trazer novidades interessantes para estudar ou simplesmente contribuir para o autodesenvolvimento. Seja o que for, a decisão sempre vem pelo lado do sentimento. Por isso precisamos estar bem atentos aos afetos que nossos teres e entreteres nos trazem e selecionar aquilo que realmente nos preenche e produz sentido, com apoio das emoções.
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