IE no Trabalho

O Ponto Cego da busca pela produtividade

Demissões em larga escala contribuem para gerar amnésia corporativa, quando as organizações perdem a memória compartilhada e a experiência acumulada sobre como fazer as coisas. Como resultado, sua capacidade de aprender com experiências passadas é reduzida — o que compromete diretamente a inovação e a qualidade das decisões estratégicas. Esse conceito foi popularizado por Robert G. Howard e Peter Senge, ao descreverem o fenômeno observado em muitas organizações a partir do início dos anos 1990.

Nessa época, empresas do mundo todo embarcaram na onda da reengenharia de processos. Impulsionadas por gurus como Michael Hammer e James Champy, reorganizaram suas estruturas com foco total na eficiência: redução de quadros de pessoal, terceirizações, eliminação de níveis hierárquicos e foco no “core process”. O mantra era claro: fazer mais com menos.

Senti isso na pele quando trabalhava em uma grande organização aqui no Brasil e lembro-me que com todos esses processos de busca de produtividade com demissões em massa, incentivo a aposentadorias precoces, reestruturações, terceirizações indiscriminadas, aliados à implantação de um sistema ERP global, passamos de 16 mil para 8 mil funcionários em um período de apenas 2 anos.

Não há dúvidas de que isso trouxe ganhos importantes no curto prazo, especialmente em termos de redução de custos. Na época era uma questão de sobrevivência pois estávamos sujeitos a uma pressão fora do comum em função da privatização de setores inteiros da economia de infraestrutura e à abertura de mercado para empresas de tecnologia. Mas, pouco tempo depois, veio a conta.

As organizações passaram a sentir falta de algo que nem sabiam que estavam perdendo: o conhecimento tácito, as experiências acumuladas de profissionais que haviam saído, a memória organizacional dos erros e acertos, e os vínculos humanos que sustentavam a capacidade adaptativa das equipes.

Foi aí que emergiu a onda de valorização do capital intelectual. Autores como Karl-Erik Sveiby, Thomas Stewart e Leif Edvinsson mostraram que o verdadeiro patrimônio de uma empresa não era mais apenas físico ou financeiro — mas sim cognitivo, relacional e emocional. Na tentativa de recuperar o que haviam eliminado, começaram os investimentos em retenção de talentos, mapeamento de competências e estratégias de gestão do conhecimento.

E se estivermos vivendo o mesmo filme agora — com outra trilha sonora?

Estamos, mais uma vez, no meio de um movimento abrupto de redução de quadros e substituições estruturais. Só que agora, a estrela é outra: a automatização de processos turbinada pela Inteligência Artificial.

Não é raro ver empresas trocando profissionais experientes por perfis mais baratos, desmanchando times seniores, apostando em automações genéricas ou na promessa de que “com IA, dá para fazer tudo com metade do time”. É a nova reengenharia — agora impulsionada por dashboards, scripts e algoritmos.

Veja bem: não sou contra a IA e a necessidade de ganhos de produtividade. Isso é fundamental principalmente para pequenas e médias empresas com restrições de capacidade de investimentos e necessidade de agregarem inteligência às suas atividades.

Mas há um ponto cego nisso tudo. Um ponto cego que o próprio Robert Kaplan, referência em planejamento estratégico e criador do Balanced Scorecard, já alertava: muitas decisões estratégicas ignoram fatores intangíveis, complexos e invisíveis aos indicadores tradicionais.

Segundo Kaplan, a estratégia sofre quando os gestores falham em interpretar soft signals, ignoram o conhecimento tácito das equipes e deixam de investir em capacidade de adaptação coletiva (Kaplan & Norton, The Execution Premium, 2008).

O que as máquinas ainda não conseguem fazer por nós

Há uma camada do conhecimento organizacional que não se transfere por documentos ou bots. É feita de percepção compartilhada, diálogo profundo, construção coletiva de sentido.

Em momentos de transição como o atual, com instabilidade econômica, conflitos geopolíticos e transformações culturais, é exatamente esse tipo de inteligência que sustenta a estratégia no longo prazo. Não é sobre ser contra a IA. Ao contrário: acreditamos em seu potencial quando combinada com a inteligência emocional, social e organizacional das pessoas.

Mas toda escolha estratégica carrega consigo uma responsabilidade: garantir que o conhecimento coletivo, a sabedoria das experiências e o potencial de interpretação não sejam sacrificados em nome da pressa ou do modismo.

Diálogo como tecnologia organizacional

É por isso que temos apostado em métodos que ajudam as organizações a escutar melhor a si mesmas, captando sinais antes invisíveis e promovendo conversas que orientam decisões.

Um desses métodos é o Dialógika, uma abordagem estruturada de escuta ativa e entendimento coletivo, desenvolvida na Conexão IE para ambientes complexos e desafiadores. Ele permite reunir vozes diversas, identificar padrões implícitos e facilitar alinhamento estratégico de forma ética e participativa.

Não é uma “consultoria de comunicação”. É um recurso para trazer à tona aquilo que os relatórios não mostram e que pode fazer toda a diferença entre uma decisão precipitada e uma mudança sustentável.

Como podemos modificar o futuro com o que aprendemos no passado?

Assim como na década de 1990, pode ser que as empresas que hoje apostam tudo na eficiência e na substituição acelerada de pessoas também descubram, em breve, que perderam algo valioso no processo.

Ainda dá tempo de equilibrar. De buscar produtividade, sim, mas com profundidade. De combinar dados e emoções. Algoritmos e escuta. Tecnologia e sabedoria humana. Talvez o verdadeiro diferencial competitivo do futuro esteja menos em “fazer mais com menos” e mais em “decidir melhor com todos”.


Se você quiser conhecer mais sobre o Dialógika e como ele pode ajudar sua organização a atravessar esse momento com mais clareza, visão e alinhamento, podemos conversar.