IE no Trabalho

Sobre rinocerontes e o futuro da sua empresa

Durante minha carreira como consultor, já acompanhei o processo de planejamento estratégico de diferentes organizações, desde 1998, quando participei da estruturação de um dos primeiros projetos de automação de um Balanced Scorecard no Brasil.

Por navegar bastante junto ao habitat da alta direção nesses projetos, me apeguei à fábula dos sábios cegos e o elefante, tradicionalmente atribuída à tradição budista e hindu, para representar o que podia observar. Talvez você já tenha ouvido falar dessa história, foi popularizada no Ocidente por John Godfrey Saxe no poema “The Blind Men and the Elephant” de 1872.

Conta-se que, em uma pequena vila distante, seis sábios cegos foram levados para conhecer um animal que jamais tinham encontrado antes: um elefante. Eles não podiam vê-lo, mas cada um foi convidado a tocá-lo para descrevê-lo aos demais. Um segurou a tromba e concluiu que era como uma grande mangueira viva; outro tocou a barriga e jurou que parecia uma parede sólida; um terceiro apalpou a perna e disse que era como um tronco de árvore; o quarto, que pegou a cauda, afirmou que parecia uma corda áspera; o quinto, que tocou as orelhas, garantiu que eram como enormes leques; e o sexto, que sentiu as presas, descreveu algo semelhante a uma lança curva.

Como todos se consideravam sábios, cada um tinha plena certeza da sua descrição, mas como também eram cegos e só tocavam parcialmente o elefante, acreditavam que seus pares estavam completamente enganados. Todos, ao mesmo tempo, estavam certos e errados. Seguros do próprio saber, discutiam sem trégua, incapazes de aceitar a percepção dos outros. Essa história atravessa séculos porque nos lembra de algo muito atual: até mentes inteligentes podem se perder em verdades parciais.

“Temos que conversar sobre o elefante na sala”

Agora imagine cortar essa cena para dentro de uma sala de reuniões de planejamento estratégico de uma grande organização brasileira. É 2024, e o “elefante na sala” é o futuro da empresa diante de um cenário global instável, inflação elevada, tensões políticas internas e o fantasma de uma recessão. Ao redor da mesa, cada executivo tem sua própria parte do “animal” para defender.

O diretor de marketing, entusiasmado, quer um lançamento ousado para conquistar novos mercados. O RH alerta para a urgência de reter talentos e rever salários para evitar evasão de gente chave. A engenharia fala em otimizar processos e investir em automação. O financeiro puxa os números e lembra do capital de giro, do custo do dinheiro e dos riscos de endividamento. O gestor de suprimentos levanta a bandeira da reestruturação na cadeia de abastecimento.

Todos têm argumentos legítimos, experiências válidas… e ainda assim, ninguém vê de fato uma estratégia abrangente que consiga abarcar o todo.

E isso independe do método ou abordagem utilizada para apoiar as atividades de planejamento estratégico: mapas com bolinhas coloridas, indicadores desdobrados, objetivos hierarquizados, pode percorrer todo o Safari de Estratégias escrito por Henry Mintzberg que ainda não teremos ferramentas suficientes para produzir clarividência sobre como domar o elefante.

Mas aqui nem sempre o problema é cegueira coletiva ou falta de capacidade cognitiva. O que deveria ser diálogo, muitas vezes se transforma em disputa velada. Aqui faço referência ao excelente artigo publicado recentemente por Alessandra Gonzaga, Ph.D. intitulado “O Narciso no Comando”. Não raro, as reuniões para discutir estratégia viram arenas onde se briga por orçamento, influência e status. O tom sobe. Há quem fale mais alto, há quem se feche. No fim, a decisão é moldada mais pela inércia — repetindo fórmulas dos anos anteriores — ou pelo peso político de quem está na sala, do que por uma visão verdadeiramente integrada. A estratégia que sai dali raramente é abraçada por todos.

E eis que surge o rinoceronte

Mas, como na realidade, a paisagem muda repentinamente. E o que estava diante de nós já não é mais o mesmo… Chega 2025 e, de repente, o que está na sala não é mais o elefante que todos tentavam descrever. É um rinoceronte cinza: massivo, imprevisível, com um chifre pronto para romper qualquer barreira e um corpo de quatro toneladas que não hesita em avançar. Já vi um de perto quando tive a oportunidade de participar de um safári na África do Sul. Acreditem: é assustador.

Na linguagem da geopolítica e da economia, o rinoceronte cinza diz respeito a mais uma teoria de cunho zoológico desenvolvida por Michele Wucker, consultora americana sobre riscos de mercado, autora de O Rinoceronte Cinza: Como Reconhecer e Agir Diante dos Perigos óbvios que ignoramos.

O rinoceronte cinza é aquele evento visível, anunciado até, mas que todos preferiram ignorar até que ele começa a correr em sua direção. É o risco que cresce à vista de todos, enquanto seguimos presos a discussões internas e à falsa sensação de segurança proporcionada por planos antigos. Ele expõe, de forma brutal, a diferença entre ter um documento estratégico bem diagramado e ter, de fato, uma organização preparada para reagir com agilidade e coesão.

A mudança das regras do jogo que ocorre no atual contexto brasileiro é brusca, e quem antes defendia sua “parte do animal” agora precisa lidar com uma criatura totalmente diferente, correndo em nossa direção, exigindo respostas que nenhum dos planos prévios foi capaz de prever ou sustentar.

Mas fugir para onde?

Na versão da fábula hindu que conheci, existe um sétimo sábio. Ele não toca o elefante. Permanece de pé, em silêncio, enquanto o ambiente se enche de vozes sobrepostas. Com um gesto calmo, pede que todos parem. Uma criança se aproxima e, sem pressa, conta ao sábio o que cada um dos outros disse. Ele ouve atentamente, como se cada palavra fosse uma peça de um quebra-cabeça. Aos poucos, o burburinho dá lugar a um silêncio curioso.

É nesse espaço limpo que ele reconstrói mentalmente a figura inteira do elefante. Não porque viu, mas porque soube escutar. Esse é o poder de quem cria o espaço para integrar percepções e construir sentido coletivo. É o que William Isaacs, autor de Dialogue, chamaria de “a arte de pensar juntos”.

Porque, diante de elefantes ou rinocerontes, dóceis ou selvagens, previsíveis ou inesperados, não basta apenas reunir as partes: é preciso criar um espaço seguro onde perspectivas diferentes se encontram, se confrontam de forma construtiva e se combinam para formar uma visão mais completa e robusta. Esse é o ponto de partida para que uma equipe possa não só compreender o que está diante dela, mas também decidir como domar a fera.

A inteligência dialógica é exatamente essa capacidade: transformar conversas dispersas e dissonantes em consensos sólidos, ruídos em clareza, e divergências em insights. É a arquitetura invisível que sustenta decisões que todos realmente abraçam. E é isso que, em tempos como os nossos, separa organizações que reagem de forma improvisada daquelas que constroem seu próprio caminho, mesmo quando o futuro chega avançando de forma ameaçadora.

Se a sua organização precisa enxergar além da tromba ou da cauda e construir decisões capazes de resistir ao encontro com rinocerontes cinza, vamos conversar. A Conexão IE pode ajudar a transformar as conversas estratégicas da sua equipe em clareza, alinhamento e ação.