IE no Trabalho

O confuso retorno à era dos extremos

E eis que o feed de publicações do LinkedIn passou a aceitar vídeos e a viralizar memes, como as redes sociais vizinhas já faziam. O resultado é uma combinação bizarra dos tradicionais posts de pessoas trazendo ofertas de serviços (agora com um tom mais instagramável), comentários polarizados sobre as últimas notícias internacionais, paródias debochadas sobre entrevistas de seleção e aqueles posts que incentivam comportamentos moralmente superiores – como cuidar dos idosos, tratar dos animais ou reciclar o lixo do planeta. Quanto aos artigos de newsletters, eles se multiplicaram à máxima potência; porém, uma parte significativa agora é assinada pelo ChatGPT ou similar.

Sim, a loucura do mundo está também por aqui. Cabe a cada um de nós traçar nossos próprios filtros, escolher as áreas de interesse e, especialmente, evitar os extremos, inclusive nessa rede que, até ontem, servia somente para atualizações profissionais mais ou menos neutras. Neste artigo, reflito um pouco sobre o tempo que estamos vivendo e sobre a semelhança visceral entre o que vivenciamos hoje e o que o mundo experimentou nas primeiras décadas do século XX, trazendo alguma luz para o papel de nossas competências socioemocionais diante dos (novos) desafios que nos cercam.

O mundo atual é, por essência, um campo de contrastes. De um lado, há a necessidade de sermos transparentes, autênticos e até corajosos ao expressarmos nossas ideias e sentimentos; do outro, existe a demanda por humanizar as relações de trabalho e a liderança, valorizando o ser humano por trás do foco em resultados. Essa tensão pode levar a extremos – ou caímos na armadilha do “tudo ou nada”, falando demais e sem filtro, ou negamos as dificuldades e os desafios, mascarando a realidade com um otimismo irreal. Em ambos os casos, nossa inteligência emocional acaba comprometida.

Um parêntese sobre Hobsbawm

Antes de prosseguir, deixo aqui o motivo pelo qual me apaixonei – ou melhor, “encafifei” (como se diz no interior) – por essa questão dos extremos. Quando cursava Jornalismo, há mais de 25 anos, uma disciplina ministrada pelo professor Ungaretti, intitulada Seminário de Política e Comunicação, marcou profundamente minha trajetória. Estávamos a alguns anos da virada do milênio e a intenção da matéria era nos debruçarmos sobre o pensamento de grandes autores do século XX. Dentre eles, um livro se destacava: A Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm.

O livro explora a intensa disputa entre diferentes sistemas políticos e econômicos – sobretudo o capitalismo e o socialismo – que se confrontaram e moldaram as políticas globais ao longo do século. Hobsbawm define o período de 1914 a 1991 como “o curto século XX”, marcado por transformações radicais e eventos extremos, desde as duas grandes guerras até a Guerra Fria e o colapso do bloco comunista. O autor analisa o surgimento dos regimes totalitários, como o nazismo e o stalinismo, destacando como as crises e contradições do período favoreceram o autoritarismo em resposta às turbulências sociais e econômicas. Ele enfatiza, ainda, as profundas mudanças trazidas pela industrialização, pelo avanço tecnológico e pela globalização, que impactaram a vida cotidiana e as estruturas de poder em nações de todo o planeta. A grande reflexão que o livro deixa é que, apesar dos avanços tecnológicos e do desenvolvimento econômico, o século foi também marcado por enormes desigualdades, destruição em massa de vidas humanas (nunca se matou tanta gente em tão pouco tempo!) e crises existenciais – dilemas e contradições do progresso humano. Parece familiar? Pois estamos apenas três décadas à frente do mundo mapeado por Hobsbawm. Em nossa era, esse contexto se amplia com interações digitais e realidades complexas e em constante adaptação entre nações, empresas e grupos humanos.

Empatia e assertividade: duas faces da mesma moeda

Vamos adentrar no universo das competências socioemocionais. O que precisamos para nos proteger dos extremos – seja da agressividade desvairada ou da gentileza complacente? Minha aposta recai sobre duas habilidades frequentemente abordadas em meus artigos sobre inteligência emocional: a empatia e a assertividade.

A empatia nos permite compreender e conectar com as pessoas ao nosso redor, criando um ambiente onde o cuidado e o respeito mútuo são prioridades. Ela se manifesta em diferentes níveis:

  • Cognitiva: ao nos conectarmos com a perspectiva do outro (sem necessariamente concordar);
  • Afetiva: ao compartilharmos sentimentos sobre o que está em discussão;
  • Considerativa ou compassiva: ao nos propormos a contribuir (ativamente) para diminuir o sofrimento que presenciamos.

Complementando a empatia, a assertividade nos permite expressar nossas opiniões, necessidades e considerações de forma clara e objetiva. Quando aliadas, essas duas habilidades criam uma base sólida para relações profissionais e pessoais mais saudáveis e produtivas. Vale ressaltar que ser assertivo(a) não equivale a ser agressivo(a). Trata-se de defender ideias e resultados sem desvalorizar o outro ou transformar críticas construtivas em ataques pessoais – é uma comunicação equilibrada, onde o respeito é o fio condutor das interações.

No ambiente corporativo, o equilíbrio entre empatia e assertividade é ainda mais relevante. Organizações que conseguem conciliar o cuidado com as pessoas e a busca por resultados constroem culturas resilientes, inovadoras e, principalmente, humanas. Investir em relações interpessoais saudáveis é investir no potencial de sua equipe, fortalecendo a confiança e criando um ambiente propício à colaboração. Por outro lado, quando o foco se restringe apenas aos números, os resultados podem ser alcançados a curto prazo, mas, a longo prazo, a falta de conexão humana e o desgaste emocional podem minar a produtividade e a criatividade. Assim, lideranças que mesclam empatia e assertividade tendem a construir equipes mais comprometidas e adaptáveis aos desafios constantes do mercado.

E nas redes sociais? Existe chance de equilíbrio?

No mundo das postagens e comentários, o extremismo anda lado a lado com o engajamento – o que torna sua contenção um grande desafio. Isso faz com que publicações mais “polêmicas” e altamente comentadas apareçam com frequência nos feeds, dando a impressão de que estamos sempre em uma rinha de ideias, mesmo em redes profissionais. Mas não precisa ser assim.

Alguns exemplos de extremos:

  • De um lado, temos aqueles que praticam o “sincericídio digital” – defendendo abertamente um político, entrando em discussões acaloradas nos comentários ou atacando quem utiliza determinada palavra ou faz parte de determinada área de atuação;
  • Do outro, aqueles que pintam o mundo com flores e rosas, evitando apontar algo negativo ou contraditório mesmo em temas delicados (como o trabalho remoto), como se o mundo não enfrentasse desafios nas relações interpessoais ou na disputa entre o presencial e o digital.

Como manter a autenticidade sem se tornar um “abraçador(a) de árvores” (como já fui chamada, quase casualmente, por um cliente)? O equilíbrio começa ao diminuir o peso que damos ao noticiário de política nacional e internacional e ao ampliar o olhar para os desafios reais e cotidianos que enfrentamos em nossas organizações. A polarização e o extremismo se alimentam de disputas entre ideologias distantes, incentivando uma postura de “tudo ou nada”, onde opiniões se apresentam de forma maniqueísta, sem espaço para nuances ou diálogos aprofundados. Um exemplo é acusar um colega de ser “woke” por defender inclusão e diversidade no trabalho ou de ser “fascista” caso defenda o gerenciamento eficiente de recursos – ao estilo DOGE, do novo departamento de eficiência governamental do governo Trump, liderado por Elon Musk. Que fique claro: inclusão e diversidade não estão na contramão da eficiência. É simples assim.

Nesse contexto, o desafio é resgatar a capacidade de ouvir, refletir e dialogar, mesmo quando as opiniões divergem. O mais importante é evitar expor posicionamentos sem ponderação, pois isso pode gerar mal-entendidos, distorcer nossa imagem e intensificar conflitos desnecessários. O ponto de equilíbrio nunca está nos extremos – é preciso lembrar disso.

Práticas para evitar os extremos

  1. Autoconhecimento e reflexão: antes de se posicionar publicamente, reflita sobre suas próprias opiniões e reconheça que, muitas vezes, o silêncio ponderado pode ser mais produtivo do que a exposição imediata. Uma boa pergunta, mesmo em um grupo de WhatsApp da empresa, é: “Isso vai acrescentar algo à nossa interação?”
  2. Escuta e assertividade: invista em técnicas de comunicação que priorizem a escuta ativa e a expressão construtiva de ideias, transformando debates acalorados em oportunidades de aprendizado.
  3. Cultura de feedback: promova um ambiente onde o feedback é oferecido e recebido de forma genuína e respeitosa, seja em momentos formais entre gestores e equipes ou em reuniões informais que valorizem os aprendizados de cada projeto.
  4. Valorização da diversidade de opiniões: diferentes perspectivas enriquecem o debate e contribuem para soluções mais inovadoras. Nem sempre precisamos concordar, mas é fundamental reconhecer que cada pessoa traz uma contribuição única, baseada em sua história e posição no grupo. Nas redes sociais, essa possibilidade de diálogo empático e assertivo, infelizmente, se reduz bastante.

Em tempos de extremos, o verdadeiro desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre empatia e assertividade, entre cuidar das pessoas e cuidar dos resultados. Não podemos mais reduzir o mundo a isso ou aquilo; é necessário um esforço de fusão e aprimoramento, um “e” que nos conduza ao saudável caminho do meio. Quando encontramos esse equilíbrio, nos tornamos agentes de mudança para um mundo mais compreensivo, colaborativo e inovador. Convido você, leitor(a), a refletir sobre sua prática comunicativa e a buscar, a cada dia, essa harmonia que tanto falta em nossa era digital.