
De todos os papéis que eu e a Alessandra Gonzaga, Ph.D. exercemos aqui na Conexão IE , o que nos dá mais orgulho e melhor nos sentimos representados é o de professores. Temos percorrido uma vida dedicada ao aprendizado e nessa semana em que comemoramos o Dia do Professor, resolvi dedicar o artigo do newsletter a essa figura fundamental na história ocidental.
Para aproveitar o gostinho da função, gostaria de propor uma viagem fascinante: olhar a evolução do papel do professor como espelho da própria história do pensamento ocidental, da Grécia até a era da inteligência artificial.
A docência, entendida como o ato de transmitir e transformar conhecimento, acompanhou cada virada filosófica e tecnológica da civilização. O professor, em cada época, representou o modo como a sociedade concebia o saber, a verdade e o papel do humano diante do mundo.
Na Grécia Antiga
Antes de Sócrates (séc. VII–V a.C.), o mestre era aquele que observava a ordem do mundo. Os filósofos naturais (Tales, Anaxímenes, Heráclito, Parmênides) não “ensinavam” no sentido institucional, mas sim mostravam como pensar. O saber era contemplação e espanto e o professor era testemunha da physis (natureza). O aprendizado acontecia pela convivência e pela escuta de máximas. O “mestre” era aquele que via o invisível e representava a estrutura oculta da realidade.
Na Atenas Clássica com Sócrates (séc. V–IV a.C.), surge a virada antropológica: o foco sai do cosmos e vai para o homem e a polis. O professor deixa de ser sábio para ser maieuta, parteiro de ideias. Ele não transmite conhecimento. Sua abordagem era a de provocar a dúvida e o autoconhecimento. Nascia aqui o modelo dialógico e ético da educação, uma das bases da pedagogia moderna. O mestre é o que pergunta bem, não o que responde certo.
Por fim, com o Helenismo (séc. III a.C.–séc. I d.C.), o mestre passa a ser visto como guia espiritual. Com o declínio da pólis e o surgimento do Império, a filosofia torna-se modo de vida. As escolas (estoicos, epicuristas, céticos) formam discípulos não apenas intelectualmente, mas espiritualmente. O mestre é modelo de conduta e serenidade e surge o ideal do professor como formador do caráter, e não só da mente. É o ancestral direto do educador humanista.
Idade Média
Com a Idade Média (séc. V–XV), veio a Escolástica, o método de pensamento e ensino dominante na Europa medieval. Mais do que uma “escola de filosofia”, ela foi um modo de raciocinar e ensinar, caracterizado por buscar harmonizar a fé cristã com a razão filosófica, especialmente com a lógica de Aristóteles.
Com a cristianização da Europa, o mestre passou a atuar como intérprete da verdade revelada, tornando-se servo da fé e mediador entre razão e revelação. O ensino é formalizado nas catedrais e universidades e o magister é autoridade intelectual e moral. Pensadores como Tomás de Aquino sistematizam o saber sob o signo de Deus.
Nesse período o professor passa a ser guardião da ortodoxia, e não um questionador. Mas também nasceu aqui a ideia de método envolvendo disputa, demonstração e hierarquia do saber.
Pós Idade Média
Com o Renascimento (séc. XV–XVIII) veio a Filosofia Moderna e o mestre passou a atuar como pesquisador e experimentador. O humanismo e a redescoberta da Antiguidade levaram o professor a assumir um novo papel: estimular o pensamento crítico e empírico. Descartes, Bacon e Galileu introduzem o método científico e o ensino passa a valorizar a dúvida como caminho da verdade.
O professor moderno era o mentor racionalista e buscava libertar o aluno da autoridade pela observação e pela razão. A escola torna-se o laboratório da mente. Isso tomou novo impulso com o Empirismo, Iluminismo e Romantismo (séc. XVIII–XIX), quando o mestre poderia ser considerado o engenheiro da sociedade.
O professor foi transformado em instrumento de progresso social. Rousseau, Locke e Kant o colocam como formador do cidadão livre e da razão pública. Ensinar é libertar da ignorância — nasce o ideal republicano de educação. Mas o Romantismo adiciona um contraponto: o professor como inspirador da sensibilidade. O ensino passa a equilibrar razão e emoção, ciência e arte — a origem da pedagogia moderna.
Tempos Modernos
Com a Revolução Industrial e os Estados nacionais (séc. XIX–XX), a educação se massifica. O professor se torna funcionário do sistema escolar, mediando currículos e métodos. De mestre de sabedoria, vira agente de instrução, e depois profissional da educação, um gestor do conhecimento. Em paralelo, pedagogos como Dewey e Montessori resgatam o professor como facilitador da experiência e agente político da transformação social.
No final do século XX, o professor enfrentou uma nova revolução silenciosa. Depois de séculos ensinando a pensar, percebeu-se que faltava ensinar a sentir e a reconhecer o que sentimos como parte do próprio processo de aprender. A inteligência emocional, conceito popularizado nos anos 1990, trouxe à educação o que Sócrates já intuía: que o autoconhecimento é o início de toda sabedoria.
O ensino emocionalmente inteligente resgata a dimensão humana do ato de ensinar. Ele propõe que o professor não forme apenas mentes analíticas, mas consciências capazes de empatia, autorregulação e propósito. Nessa perspectiva, o professor volta a ser o que sempre foi em essência: um cultivador de humanidade, agora em meio à era digital.
Em nosso Século XXI, a era da Inteligência Artificial, o professor torna-se relevante como curador de sentido. Em nosso tempo, a informação é abundante, mas significado é escasso. O professor volta a ser aquele que ajuda a pensar, discernir, sentir e escolher. De transmissor de conhecimento, torna-se curador de sabedoria e guia ético diante da avalanche de dados e automação cognitiva.
Ensinar, na era da IA, é um ato de humanidade radical. O verdadeiro professor é aquele que nos lembra do que ainda é essencialmente humano: a capacidade de escutar, conectar e transformar consciência em sabedoria.
Um agradecimento
Ao olhar para trás, não tenho como deixar de pensar em minha própria história que foi atravessada por centenas de mestres, professores, mentores e amigos que me ensinaram mais do que conteúdos: ensinaram-me a pensar, a sentir e a me reinventar. A todos eles, minha gratidão. Cada um, à sua maneira, ajudou-me a compreender que ensinar é um gesto de confiança no futuro, e aprender é uma forma de humildade diante da vida.
Que sigamos todos, professores e aprendizes, cuidando da arte de ensinar como quem cuida da própria alma do mundo.