Conexões Humanas

O Halloween Corporativo

É época de planejamento estratégico e orçamentário e alguns comportamentos podem representar um verdadeiro terror para as organizações. Proponho um olhar da economia comportamental e da inteligência emocional aplicada à governança: como os vieses, inseguranças e emoções mal geridas de líderes podem corroer valor organizacional.

Aproveitando a proximidade do Halloween, gostaria de trazer uma reflexão sobre esses comportamentos. Nesse artigo exploro alguns dos principais fenômenos comportamentais e estruturais ligados aos custos da má governança corporativa. Será que você consegue identificar algum deles ao redor da mesa de tomada de decisão?

Conde Drácula e o entrincheiramento da liderança

Surge quando diretores ou executivos criam barreiras que os tornam difíceis de substituir, mesmo em caso de baixo desempenho. Utilizam-se de mecanismos como concentração de poder decisório e controle sobre informações.

Como vampiros do poder, se alimentam da energia e vitalidade dos outros e jamais abandonam o castelo. Mantém todos sob seu controle hipnótico, drenando inovação e coragem de quem se aproxima. Promovem perda de confiança, imobilismo estratégico e clima de medo ou subserviência.

Barão Frankenstein e os gastos esbanjadores

Trata-se do uso indevido de recursos corporativos para benefícios pessoais. Cria monstros com pedaços de recursos da empresa, costurando benefícios, projetos e viagens que servem mais ao seu ego do que ao propósito organizacional.

Assim como o Conde Drácula se alimenta do poder que retém, o Barão Frankenstein se embriaga do poder de criar. Um teme perder o trono e o outro teme perder o aplauso. Seu modus operandi envolve ausência de accountability, cultura de privilégio, confusão entre pessoa jurídica e física, tendo como consequência a destruição de valor econômico e reputacional e a erosão do senso de justiça interna.

O Coringa e a captura do conselho

Se o Barão age nos bastidores, o Coringa transforma o caos em espetáculo. Ele é o vilão carismático que manipula todos à sua volta com charme e caos. Finge agir pelo bem comum, mas seu prazer é ver o sistema sob seu controle.

Atua fazendo com que o conselho de administração perca independência, sendo influenciado ou dominado pela diretoria executiva. O resultado é a perda da função fiscalizatória do conselho, decisões enviesadas e ineficácia de governança.

Os zumbis corporativos e o conformismo coletivo

E quando o riso do Coringa ecoa por tempo demais, surgem os zumbis corporativos: executivos que já não pensam, apenas reagem. Movem-se em uníssono, sem questionar. Um líder morde, e em minutos a sala toda repete a mesma ideia. Atuam por meio da pressão social, autoridade dominante, homogeneidade de pensamento e se multiplicam com mais velocidade em ambientes de baixa segurança psicológica e ausência de cultura de escuta. Os resultados incluem decisões ruins, exposição elevada a riscos e falta de inovação.

Dorian Gray e o narcisismo corporativo

Nos ambientes onde a reflexão morre, a imagem reina. É aí que Dorian Gray entra em cena como símbolo da estética sem ética. Quando todos obedecem, basta parecer virtuoso para manter o jogo.

O narciso é encantado com o reflexo no espelho institucional, busca prêmios e holofotes enquanto a alma da empresa apodrece nos bastidores. A comunicação é centrada na figura do líder, que toma decisões simbólicas e busca a teatralização de resultados. Como nem tudo dura para sempre, a dissonância entre imagem e realidade e as decisões de autopromoção levam ao desgaste reputacional: a beleza da fachada envelhece e o retrato real começa a rachar.

Monstro do pântano e o excesso de confiança

Mas sob a superfície da imagem perfeita, o terreno é movediço. O excesso de confiança nasce justamente desse espelho: quem se vê belo demais acredita que não pode errar. É o passo que separa a vaidade da imprudência.

O monstro do pântano surge quando a liderança é dominada pela tendência de superestimar a própria capacidade de prever resultados e controlar riscos. O monstro cresce sem controle, acreditando ser a força da natureza, até que afunda no próprio terreno. Os sinais de sua presença são: o excesso de autoconfiança que vira autossabotagem, supervalorização de sucessos passado, ausência de feedback real, decisões precipitadas, riscos mal calculados e desconsideração de dados contrários.

A Bruxa das Metas e a miopia temporal

Quando o otimismo cego encontra a pressão por resultados, surge a Bruxa das Meta. Ela se manifesta na priorização de ganhos imediatos (lucros trimestrais, bônus de curto prazo) em detrimento da sustentabilidade e da inovação.

A bruxa usa seu caldeirão para misturar fórmulas mágicas para fazer os números subirem, sem se importar com os efeitos colaterais. A poção do curto prazo cobra um preço alto no longo, gerando perda de talentos, desengajamento e fragilidade estrutural no longo prazo.

Dr. Jekyll, Mr. Hide e os conflitos de agência

A poção da Bruxa e o soro de Dr. Jekyll têm algo em comum: ambos prometem poder instantâneo, mas cobram caro. No início, parecem soluções mágicas; depois, revelam a sombra moral que habita as decisões.

Jekyll e Hide atuam no palco do duplo moral corporativo. Durante o dia, surge o executivo exemplar; à noite, o agente de seus próprios interesses. Esse tomador de decisão oscila entre ética e ambição, nutrindo-se do desalinhamento entre os interesses dos executivos e dos acionistas. Práticas como remuneração distorcida, falta de transparência e manipulação de informações levam à perda da confiança e a duplicidade moral que contaminam o time.

O Espantalho das decisões simbólicas

Quando o duplo moral se instala, nasce o Espantalho, a figura que precisa parecer íntegra, mesmo que o vazio ético já tenha tomado conta.

É o executivo bonito na vitrine, mas vazio por dentro. Faz pose para as câmeras, mas não espanta os corvos da incoerência. Suas ações visam aparência de mudança sem alterar práticas reais. A dissociação entre discurso e emoção autêntica leva à perda de coerência, cinismo interno e a perda de credibilidade reputacional.

O Mágico de Oz e o efeito halo da liderança carismática

E quando a encenação é bem-produzida, o Espantalho ganha companhia: o Mágico de Oz, que cultiva uma imagem positiva de um líder “visionário” e leva à aceitação acrítica de suas decisões.

Todos acreditam no grande líder por trás da cortina, até que percebem que a voz poderosa é apenas fumaça e amplificador. A cegueira emocional coletiva e a falta de pensamento crítico podem levar a organização ao colapso.

Para onde correr?

Depois de passear por esse baile de horrores corporativo, resta uma pergunta: como escapar dessas criaturas? A boa notícia é que há antídotos para isso e todos começam pela escuta. Governar com inteligência emocional é reconhecer que não há estratégia sem diálogo, nem futuro sem confiança.

Em tempos de planejamento e orçamento, talvez o maior ato de coragem seja acender a luz sobre as sombras da tomada de decisão. O Dialógika, metodologia da Conexão IE, transforma conversas em clareza e alinhamento. Nosso método foi criado justamente para isso: abrir espaço à escuta e ao entendimento coletivo em momentos críticos de decisão.

Neste Halloween corporativo, o convite é simples: substitua o medo da exposição pela coragem de conversar. Porque o que realmente assombra as organizações não são os monstros do Halloween — são as verdades que ninguém ousa dizer.