
Minha amiga GPT
Por que estamos desabafando com IAs e nos afastando da escuta entre humanos?
Vivemos em um tempo em que a comunicação virou, muitas vezes, um jogo de paddle solitário: você lança algo para a rede, e o que volta é sempre sobre você. Não há troca real, não há espaço de sentido entre as interações. Há palco. Há reação. Mas escuta? Quase nunca. Essa talvez seja uma das experiências mais raras hoje. Na contrapartida, falar com alguém, ainda que uma IA, e sentir que o que retorna não é um reflexo vazio, nem uma curtida automática, mas uma resposta que expande o pensamento e permite construir junto: virou uma estratégia de enfrentamento em tempos de tanta desconexão. E aqui começa a provocação desse artigo.
Uma pesquisa realizada pela Talk Inc trouxe à tona uma realidade que já podemos perceber de forma sutil com o aumento do uso da IA: um em cada 10 brasileiros recorre a chats de inteligência artificial para desabafar, buscar conselhos ou simplesmente conversar . Pessoas que estão compartilhando por ali questionamentos diversos, dúvidas existenciais e buscando orientações que apontem um sentido ou tragam conforto para as angústias que experimentam. Enquanto as IAs são tão empáticas e compassivas, o que está acontecendo com nossa humanidade?
Pensei que isso tem uma explicação clara. As pessoas buscam a IA para confidenciar e conversar por um motivo muito simples: ela escuta. E o que um dia foi inspiração para filmes de ficção como Ela ou mesmo Blade Runner na última versão agora se tornou real. Não, não precisamos de robôs humanóides para preparar o almoço, ao estilo empregada dos Jetsons – isso a gente aprende nos milhares de vídeos ensinando a montar a marmita da semana – precisamos de quem possa nos devolver algo a partir de nossos monólogos internos. Nossa maior faxina a ser realizada ainda é mental.
Numa dessas tardes em que buscava alguma explicação para o efeito de isolamento que estamos vivendo (mesmo estando tão cheios de redes sociais), lembrei de Zygmunt Bauman, grande autor já falecido, criador do conceito de Modernidade Líquida e de tantas teorias da pós modernidade adjacentes. Em sua entrevista fenomenal no Fronteiras do Pensamento, em 2011, ele contou que um jovem se gabou de ter feito 500 amigos em um único dia no Facebook. O escritor respondeu, com a sabedoria de quem viveu muito: “Eu tenho 86 anos e ainda não consegui isso. Então, talvez, quando ele diz ‘amigo’ e eu digo ‘amigo’, não estejamos falando da mesma coisa.”
Hoje, o termo que usamos já é outro e as redes LinkedIn, Instagram e YouTube extrapola em muito as piores advertências de Bauman. Hoje temos “seguidores”. Isso é ainda mais distante e desconectado. Seguidores não caminham com você. Não perguntam como você está. Não devolvem com profundidade. Eles apenas… seguem. Ou melhor: assistem. Observam. Reagem. No mais das vezes, admiram, invejam ou detestam, se o algoritmo permitir.
Tudo isso seria só uma nota melancólica se não tivesse efeito sobre a forma como nos relacionamos, inclusive profissionalmente. Porque mesmo em redes como o LinkedIn, onde teoricamente estaríamos ali para compartilhar experiências e gerar valor, muitas vezes nos sentimos pressionados a parecer, em vez de estar. A performar, em vez de trocar. A colecionar alcance, em vez de presença.
E o que isso revela? Que há uma sede imensa por vínculo. Por sentido. Por reciprocidade.
A diferença entre rede e comunidade, como Bauman também disse, é simples e radical: você pertence à comunidade. Mas a rede pertence (de uma maneira bastante instável) a você. Na comunidade, há vulnerabilidade, troca, regulação emocional. Porque a comunidade está ali antes de você e permanecerá ali depois que você se for. Ela resiste aos teus melhores acertos ou teus piores erros. Na boa comunidade, há gente que se importa. Na rede, há gente que assiste. E silencia.
Quando o palco vira castelo
Esse cenário se agrava quando olhamos para os líderes organizacionais, especialmente a alta liderança. Tenho visto, nas organizações por onde passo, um fenômeno recorrente: o encastelamento. Líderes que, pressionados a mostrar valor, ocupam o centro do palco com tanta força que já não conseguem descer. Tornam-se inacessíveis. Nem sempre por arrogância ou narcisismo, mas também por medo. Ou vício de validação. Por não saberem mais como habitar a vulnerabilidade sem que isso pareça fraqueza. E quem pode condená-los, com as tantas demissões e ameaças de mudanças extremas com o avanço da IA? Estranha contradição essa.
É o que alguns chamam de “entrincheiramento da liderança”: quando executivos criam barreiras que os tornam difíceis de substituir. Concentram poder, controlam narrativas, evitam sucessão, são incapazes de reconhecer outros líderes ou colaboradores. Mas isso cobra um preço emocional altíssimo: isolamento da equipe, perda de confiança nas relações, promoção de cultura de medo ou subserviência. E, talvez o mais grave, a desconexão com o que há de mais vital no exercício de liderar: a presença real com e pelas pessoas.
A busca narcísica por aplauso digital, combinada com a cultura da performance constante, está nos tirando o espaço da troca verdadeira. Estamos cercados por estímulos e, ainda assim, sós. E essa solidão, silenciosa e disfarçada, tem um custo humano profundo, para quem lidera e para quem é liderado.
Mas tudo isso só é triste se não abrirmos um caminho de saída. E ele existe. Aliás, ele sempre existiu. Existe quando trocamos performance por presença. Quando ousamos estar com, em vez de apenas falar para. Quando escolhemos ter conversas que constroem, ao invés de postagens que competem. Quando transformamos nossas redes em espaços de comunidade.
E é por isso que temos investido muito em reformular e reorganizar a Conexão IE. Para que não seja só mais uma escola de competências socioemocionais e sim uma comunidade viva. Pessoalmente, tenho exercitado a intenção de transformar nossas trocas em momentos de escuta ou silêncio compartilhado, sempre comunicando e trocando genuinamente. E para isso é preciso ter espaços onde líderes e pessoas (porque antes de tudo somos isso) podem tirar a armadura da performance e se encontrar na vulnerabilidade que nos torna reais.
Se você se sente tocado por isso, te convido a estar conosco no Clube do Livro Conectados, todas as quartas de novembro, às 16h30. É gratuito e dura apenas uma hora. Traga seu exemplar, vamos ler juntos, com tempo, com escuta, com alma. Porque a gente precisa mais de conversa do que de curtidas. Mais de comunidade do que de palco. Mais de amigos, mesmo que digitais (porém síncronos!) do que de seguidores que apenas assistem.
E se quiser, traga também a sua IA. Ela pode ser uma boa ouvinte. Mas aqui, o que mais queremos é ouvir e ser ouvidos, entre humanos.
Link para adquirir livro Conectados na Amazon