A Era dos Tiranos: lições da Grécia Antiga

“A história não se repete, mas rima.” — Mark Twain
Imagine viver numa época em que líderes carismáticos derrubam elites econômicas, prometem proteger os mais pobres e, por um tempo, cumprem a promessa, até que o poder começa a corroer sua imagem e tudo se corrompe. Essa cena, que povoa os jornais de hoje, também fez parte da Grécia Antiga.
Nesse artigo vou explorar o papel dos tiranos na história e desde já adianto: compreender esse fenômeno requer uma abordagem dialógica. Não existe bom ou mau tirano. Tudo depende do ponto de vista do grupo de interesses ao qual uma pessoa pertence.
Conhecendo a história
Estou me deliciando com a leitura do livro “Os Gregos” de Isaac Asimov, publicado originalmente em 1964. Não se trata de uma obra de ficção científica, mas sim de um relato muito detalhado sobre a história e influência da cultura grega no mundo ocidental.
O capítulo que mais me capturou até agora foi o que descreve a chamada “Era dos Tiranos”, ocorrida aproximadamente entre 650 e 500 a.C. Antes desse período, as cidades-estado gregas eram autônomas e o comércio era conduzido por meio do escambo. Aos poucos, os metais preciosos começaram a ser utilizados como forma de troca, mas havia incerteza quanto ao peso e à pureza do ouro e da prata empregados nessas transações
Em algum momento no século VII a.C., na Ásia menor, moedas começaram a ser produzidas com respaldo dos governos, que estampava em cada pepita seu peso ou valor. Os gregos copiaram esse modelo e isso fez surgir um comércio em larga escala. A prosperidade cresceu, mas também trouxe tensões.
Com a entrada de riqueza em algumas cidades, emergiu uma nova classe de poderosos: os ricos comerciantes. As antigas elites de proprietários de terras não aceitavam facilmente partilhar o poder, e os artesãos viam seus produtos perderem valor diante das mercadorias importadas. O aumento da produção para exportação elevou a demanda por escravos. Agricultores e artesãos ficaram endividados e, incapazes de pagar suas dívidas, também acabavam escravizados. Paralelamente, a chegada do dinheiro fez os preços subirem, provocando inflação e reduzindo o poder de compra dos cidadãos.
O surgimento dos bons tiranos
Essa insatisfação na sociedade grega abriu espaço para a ascensão de tiranos ao poder. A palavra grega týrannos, na época, não tinha a conotação negativa de hoje. Eram chamados de tiranos por serem “outsiders”, ou seja, não pertenciam à estrutura de poder vigente.
Tratava-se de líderes que se apresentavam como defensores das classes prejudicadas, organizando-as e retomando o poder que havia migrado para a nova elite emergente. Para aqueles cujos interesses eram defendidos, eram vistos como governantes carismáticos, justos e até amáveis.
Estimulavam obras públicas, reformas econômicas e religiosas e usavam alianças políticas para garantir a autoridade. Muitos trouxeram prosperidade e paz, melhorando as condições de vida das camadas populares, embelezando cidades, investindo em entretenimento e fomentando centros e escolas de conhecimento. Foi nesse período, sob as benção de tiranos, que viveram Tales, Pitágoras, Anaximandro, Heráclito e tantos outros.
Revivendo a história
Cortem a cena de 650 a.C. para 2025 d.C. Essa história lhe parece familiar?
Embora o tempo presente seja muito mais complexo, a dinâmica daquela época ajuda a compreender fenômenos recentes, como a eleição de Donald Trump e o movimento MAGA (Make America Great Again).
Trump é um outsider. Ao defender a produção local nos Estados Unidos, busca fortalecer a geração de emprego e renda para os cidadãos americanos, reagindo contra produtos importados da China com mão-de-obra mais barata, que representa na atualidade os antigos escravos, ou de outros países cujas condições geram vantagens competitivas em relação à produção em território norte-americano.
Concordo e conheço de cor e salteado as teorias dos economistas que explicam as vantagens do comércio internacional. Mas o desemprego gerado por esse comércio em setores da economia local que não apresentam vantagens comparativas em relação ao resto do mundo é um fato relevante que traz consequências político-sociais.
Ao mesmo tempo que é aclamado e festejado por parte da sociedade, Trump é considerado um tirano, no pior sentido da palavra, pelo antigo establishment. Isso porque vai contra os interesses da ordem ideológica, econômica, política e legal que constituíam as forças que comandavam a sociedade norte-americana antes de sua eleição.
Ele sofre pressões de dentro e fora dos Estados Unidos, partindo de setores ligados ao mercado financeiro e ao comércio internacional, que precisaram rever estratégias e aceitar margens de lucro menores diante de novas políticas de tarifas externas de comércio adotadas em seu governo.
Todos os tiranos são bem intencionados?
Isso depende do ponto de vista. Tiranos podem ser amados por aqueles que defendem e detestados por aqueles cujos interesses contrariam. Mas se falham em entregar desenvolvimento e bem-estar, podem perder apoio popular e passam a ser odiados por todos.
Sem a base social que os sustenta, alguns tiranos endureceram seus regimes de governo na Grécia antiga, recorrendo à repressão, ao mau uso das instituições e ao uso da força e coerção contra cidadãos livres. Foi assim que tirania passou a significar abuso, arbitrariedade e instabilidade.
Infelizmente, temos vários exemplos disso na América Latina e estamos perigosamente flertando com esse cenário em nosso próprio país.
O que não fazer: a lição de Esparta
A expressão “vida espartana”, usada para designar um viver simples e com poucos recursos, tem raízes históricas. Na época dos tiranos, Esparta evitou as convulsões ligadas à expansão comercial. Lá, o uso de moedas era proibido, assim como a importação de artigos de luxo. A cidade manteve-se fiel à agricultura de subsistência e aos costumes antigos. O baixo padrão de vida era considerado uma virtude.
Mas não necessariamente o bem comum era objetivo de Esparta. De forma semelhante a governos centralmente controlados da atualidade, o poder era exercido pela Gerúsia, um conselho de 28 cidadãos com mais de 60 anos, acrescido de dois reis com poderes limitados. Apenas os esparciatas, cidadãos plenos e proprietários de terras, podiam ser eleitos, o que excluía grande parte da população. O sistema impedia mobilidade social: só nascia esparciata quem fosse filho de esparciatas.
Ao longo do tempo, as guerras, desigualdade na herança e concentração fundiária reduziram o número desses cidadãos plenos, que no século IV a.C., já eram apenas algumas centenas. A concentração de terras nas mãos de poucos gerou um abismo econômico entre a elite e o restante dos cidadãos, que levou à derrocada do regime.
Reflexão final
Conhecer a história nos ajuda a identificar padrões. Os contextos mudam, mas certas dinâmicas sociais, econômicas e políticas se repetem.
Se a história tende a “rimar”, que escolhas podemos fazer hoje para que ela não se repita nos seus piores versos?